sexta-feira, 30 de julho de 2021

Sobre a finitude

Por Erenildo João Carlos

Com o aparecimento do Covid-19, no fim de 2019, na China, produziu-se na história presente um instante marcado pela incerteza da capacidade de conservação da vida pessoal, coletiva e planetária das pessoas.  Milhares de indivíduos morreram no mundo e no Brasil. Outras tantas, ficaram isoladas, ilhadas em suas casas, bairros, estados e países. Outras entraram em estado de depressão, adoeceram emocionalmente, precarizando suas relações pessoais, familiares  e sociais.

A ausência de conhecimentos específicos sobre a natureza do vírus, a falta de vacina apropriada, o distanciamento social, as relações interpessoais fragilizadas e o caos mundial gerado na gestão do Estado, da economia e da dinâmica cotidiana da população acentuou a consciência da finitude da vida e dos limites da capacidade humana de conservá-la individual e coletivamente.

Não obstante, a finitude ser uma experiência concreta irrefutável, por conta de que ela se põe diante de nós em tudo, nem sempre temos a consciência de sua realidade efetiva e de suas implicações sobre a vida natural e sociocultural das pessoas, das famílias e das relações interpessoais. Fundado na evidência da experiência, podemos dizer que tudo que nos cerca carrega a marca da finitude e que, por mais que seja a duração de algo, ele não deixará de ser finito.

Certamente, a finitude diz respeito ao tempo, à medida da duração das coisas. Entretanto, quando pensamos a finitude relacionada à outros aspectos de nossa realidade subjetiva e objetiva, notamos que o fim de algo não é produzido, simplesmente, pela temporalidade que as coisas, a vida e as relações possuem, mas também, por questões subjetivas e objetivas, saberes e emoções, desejos e medos, esperanças e frustações, possibilidades e expectativas, palavras e toques, ditos e não ditos, verdades e meias verdades, imaginações e dissimulações, fatos e interpretações. 

Em certa medida, somos produtores da duração das coisas, do tempo que elas terão em razão do que fazemos com elas. Somos responsáveis, em parte, por aquilo que aparece e desaparece em nossas vidas, bem como por sua duração e finitude. 

Com efeito, nossas ações tanto fazem aparecer, quanto desaparecer; tanto constroem, quanto destroem; tanto edificam quanto interditam o vir a ser das coisas, dos acontecimentos, dos processos, das relações, da vida, do encantamento que  sentimos, de nossas esperanças e planos.

No existir da finitude das coisas se encontram, portanto, nossas pendências e bagunças subjetivas e sociais como razões da finitude das coisas. 

Interessante é também notar que o bom acaso ou a intencionalidade fazem aparecer coisas lindas e maravilhosas em nossas vidas, que, mesmo sendo bem cuidadas e cultivadas, movidas pelo entusiasmo e encantamento que tenhamos, contraditoriamente podem ser desconstruídas por nossas próprias vontades, decisões livres ou impostas, nossas pendências e histórias pessoais e sociais mal resolvidas, nossas bagunças. 

Somos, sim, corresponsáveis pelo desaparecimento ou conservação delas, acelerando o fim ou prolongando a duração do que de bom ou de ruim nos acontece.

É fato, a finitude é uma realidade, mas há coisas na vida que gostaríamos de conservar, sobretudo aquelas que nos faz bem, que é bom, que nos edifica e humaniza, enquanto pessoa singular e subjetiva, seja enquanto modo de organização social e objetiva. Nesse ínterim, se encontram a vida, tão rara, a amizade, o carinho, a confiança, o respeito, o cuidado, o encantamento, a poesia, a liberdade e a ética. 

A consciência do valor de tudo isso, das oportunidades que a vida em vida nos proporciona não deveriam ser desperdiçadas. Ao contrário, deveriam nos mobilizar e motivar a resolver nossas pendências e bagunças a fim de sermos felizes conosco mesmos e com os outros, a estabelecer relações amorosas de encantamento e gratidão, relações saudáveis e não doentias, falsas e dissimuladas relações fundadas, de fato, no bem quere recíproco e não em ações violentas, agressivas, rancorosas, ingratas prenhas de desafeto e falta de cuidado consigo e com o outro, que sequestram a subjetividade e o direito de sermos felizes, que nos fazem coisas possuídas pelos outros. 

Com efeito, precisamos de relações saudáveis que valorizem, simultaneamente, o eu e o outro e o crescimento recíproco de ambos; relações onde um e o outro não sejam tratados como objetos, que se usa, abusa, descarta, brinca, destrói e joga fora: relações desumanizadoras onde um se sente dono do outro. Precisamos de relações intersubjetivas e sociais humanizadas, centradas no valor da pessoa humana.

Vida e felicidade são tão raras e preciosas! Por que perdê-las? Por que desperdiçá-las? Depois que a vida vai, não volta mais; depois que a felicidade arrefece,  não sabemos se iremos reencontrá-la novamente. Depois que a incerteza e desconfiança nos afeta, o desencanto nos toma. Por isso, é sábio não permitir que nossas pendências e bagunças passadas e presentes, não resolvidas ou mal resolvidas, nos impeçam de viver e ser feliz. Lidar com elas e resolvê-las é necessário.

Na arte do bem viver se encontra a sabedoria de aprender a brincar de viver e ser feliz na finitude que temos disponível e possível do tempo de vida que temos. Encantar-se pela vida, enquanto a temos; ser feliz enquanto podemos: eis um princípio sábio gerador de paz e felicidade. 

Quanto tempo você tem para viver e ser feliz? Eis a questão fundamental de nossa condição humana. Quanto tempo nos resta? Viva e seja feliz a cada instante, mesmo sabendo que ele, o instante, é finito. Se possível, conserve seu bem querer infinitamente. Se possível faça o impossível para tecer seu tempo finito de vida de infinitos finitos de paz e felicidade: eis uma das lições que tenho aprendido com o caos da Pandemia!


João Pessoa, 30 de julho de 2021.