quinta-feira, 30 de maio de 2013

DITOS RETÓRICOS - PARTE I




Por Erenildo João Carlos



É muito comum ouvirmos um tipo de fala que gera em nós, efeitos de desconfiança acerca da sinceridade ou da veracidade do que está sendo dito. 

Nesses casos, a impressão primeira que podemos ter é a de que o falante não está sendo sincero, de que ele não está dizendo a verdade, de que ele está escondendo algo relevante, de que ele está bajulando ou sendo irônico.

Falas desse tipo, carregadas de pontos que dissimulam, escondem, falsificam, adulteram e destorcem, acabam por impedir a realização de uma conversação edificante e inteligível, fazendo, assim, com que o que está sendo dito não seja considerado como uma fonte de saber e de conhecimento que poderia propiciar a elaboração de reflexões, noções, conclusões e considerações aproximadas a respeito da realidade dos fatos, ou do significado e do sentido subjetivo do falante.

Falas desse tipo desrespeitam o ouvinte, instaurando, desde o início, a incerteza, a desconfiança e, portanto, a impossibilidade do exercício de um diálogo sincero e edificante. Falas e proferimentos dessa natureza ferem, profundamente, a ética do dizer. 

Nesse texto, pretendo refletir sobre um gênero do dizer que, devido suas peculiaridades, pode alimentar a desconfiança intersubjetiva, presente nas conversações e formulações proferidas no cotidiano. Refiro-me, aqui, aos ditos retóricos. 

Ao percorrermos o curso de uma fala dissimulada, ou puxarmos os fios que tecem a ordem argumentativa que forja o jogo de ausência e de presença, de esconde-esconde da fala e das sombras e luzes do dizer, deixa um rastro de evidências que nos permite identificar o traço fundamental do modo de existência do dizer e dos ditos retóricos, a saber: o nexo profundo entre estratégia e finalidade. 

Em função desse reconhecimento, pode-se notar que a dissimulação não somente esconde a si mesma, enquanto estratégia, mas também os motivos pelos quais ela existe, ou seja, seus fins. 

Por essas razões, pode-se dizer que o falante dissimulado autêntico seja aquele que emprega conscientemente a dissimulação como estratégia para alcançar os fins que lhe interessa. No conjunto de uma fala como essa, a dissimulação aparece justificada pelos fins estabelecidos. 

Temos, aqui, portanto, o critério fundamental do dizer e dos ditos retóricos, qual seja, a fixação de fins que deverá ser atingido, independente dos meios e estratégias empregados, a exemplo da fala dissimulada, tão presente nas conversações do cotidiano. 

Fica posto, que o critério fundamental, constitutivo do dizer e dos ditos retóricos é a formulação de fins que deverão ser alcançados estrategicamente. 

Com efeito, esse modo de operar com a finalidade e a estratégia no âmbito da fala, expressa uma racionalidade totalmente descomprometida e sem responsabilidade com a ética do dizer, afeitos aos ditos, por exemplo, sinceros, verdadeiros e obrigatórios. Por isso que o dizer e os ditos retóricos, em sua versão dissimulada, desrespeita o ouvinte e gera um estado de insegurança e incerteza comunicativa. 

Assim sendo, pode-se dizer que o conjunto de argumentos, de enunciados, de significados, de sentidos, de valores e de assertivas acionado e mobilizado pelo dizer retórico objetiva convencer, converter, manipular, doutrinar, ensinar e anunciar coisas, tendo em vista a realização do fim desejado. 

O que é proferido, portanto, pelo falante retórico obedece a regra do jogo próprio da retórica, cujo traço dialético fundamental é o de a um só tempo negar qualquer regra e jogo que não potencialize a realização dos fins estabelecidos e afirmar todas as regras e jogos que possam beneficiar os referidos fins.

Na fala retórica os fins fixados determinam o que deverá ser dito; justificam a aceitação e utilização de um jogo ou regra determinada, selecionam o que é apropriado e adequado aos fins. 

Em última instância, o que põe as coisas ditas para funcionar, o que organiza e estrutura o dizer retórico é a natureza e a especificidade do conteúdo dos fins estabelecidos. São eles que deverão ser realizados, concretizados e efetivados estrategicamente. Em suma, no dizer retórico 'os fins justificam os meios'.

João Pessoa, 30 de maio de 2013.