sábado, 6 de abril de 2013

DITOS OBRIGATÓRIOS - PARTE II


Por Erenildo J. C. 

Sobre a problemática do dizer, tenho afirmado, a partir das observações e da ordem de argumentação empreendida, até então, que a fala e o dizer, possibilitadores da emergência, da circulação e do acontecimento efetivo dos ditos no âmbito da linguagem e da experiência comunicativa, produzem, dentre outros, o aparecimento de uma espécie de dito, nomeados, aqui, de ‘ditos obrigatórios’, que a um só tempo aciona e se constitui em função de uma série de valores reconhecidos, assegurados e válidos intersubjetivamente. 

Parece que, a primeira vista, ‘os ditos obrigatórios’, ao serem pronunciados durante uma conversação, evidenciam o exercício arbitrário do poder (posição social, autoridade, carisma e convencimento, por exemplo) de um falante sobre o ouvinte, de alguém sobre outrem, que, ao dizer algo, diz na perspectiva de subjulgar e governar, de constituir modos de ser, de viver, de sentir, de pensar e de falar. Nesse caso, os ‘ditos obrigatórios seriam a evidência de um tipo de experiência comunicativa, pautada na negação da alteridade, do respeito ao outro. 

Mesmo que isso seja, de um certo modo, um fato verificável em várias falas cotidianas, quando deslocamos nossa atenção para a composição da singularidade do modo de ser dos ‘ditos obrigatórios’, procurando conhecer e explicitar o que eles têm de peculiar no conteúdo de sua obrigatoriedade, deparamo-nos com um conjunto de principios, procedimentos e regras de conduta, representativos de necessidades existências e concretas, sentidas por certos indivíduos, agrupamentos humanos, cidadãos, organizações societárias, instituições, Estados e Nações. 

Nesse sentido, a observação cotidiana da experiência comunicativa nos permite identificar, pelo menos, quatro situações que indicam o chão existencial, cultural e histórico do aparecimento dos ‘ditos obrigatórios’: a) A vivência, que propicia o saber de experiência, que registra o acúmulo das alternativas mais adequadas à resolução dos problemas cotidianos e existenciais; B) A tradição, que conserva os preceitos, consagrados como certo e aceito, em formas de saberes, de práticas, de músicas, lendas, mitos, provérbios, danças, imagens, ritos, de cerimônias e de costumes específicos; C) As descobetas da ciência, geradores de diversos conhecimentos sobre diferentes esperas da natureza e da cultura e de orientação das ações e dos procedimentos mais corretos e verdadeiros a serem adotados em determinadas circunstâncias; D) As normas escritas, que prescrevem o padrão de consciência, de conduta e de relações permitidos em determinada formação social. Essas quarto situações concretas funcionam como condições de existência das necessidades, que integram a constituição da singularidade da obrigatoriedade dos ‘ditos obrigatórios’. 

O que essas necessidades apontam? Que os ‘ditos obrigatórios’ podem ser a expressão de um consenso firmado em torno de valores necessários, por isso mesmo, compartilhados e assumidos coletivamente. Em outras palavras, o reconhecimento e a garantia de algo visto como necessário, conferi ao reconhecimento dessa necessidade um estatuto de valor, assegurando seu ‘status’, na ordem do pensar, do fazer, do dizer e do vivier, como estratégias e parâmetros de convivência e sociabilidade. Os valores que emerge a partir do que é necessário, são apresentados e vistos, postos e instituídos como parâmetros que orientam e organizam as ações e as relações concretas dos individuos e das instituições. Os ‘ditos obrigatórios’ são representações sociais, concretas da maneira de como se deve agir e proceder consigo mesmo, com os outros, com as coisas e com a natureza, em determinado contexto. 

Ora, se os ‘ditos obrigatórios’ trazem à luz o sentido social de certas obrigações registradas na fala, denunciando a arbitrariedade da imposição e da negação da alteridade, ou anunciando a presença do consenso, de valores compartilhados intersubjetivamente, não devemos, contudo, confundir o sentido social do dizer com a especificidade da existência do dizer no âmbito da linguagem, presentes nos ‘ditos obrigatórios’, a saber: o fato de que são proferimentos que ativam a memória dos ouvintes sobre aquelas ações, condutas, procedimentos, saberes e práticas, considerados necessários, adequados, certos, corretos, verdadeiros e/ou permitidos em situações particulares, vividas pelos falantes e ouvintes singulares, situados em tempos e lugares determinados. 

João Pessoa, 05 de abril de 2013.