domingo, 31 de março de 2013

DITOS OBRIGATÓRIOS - PARTE I


Por Erenildo J. C. 

Tenho escrito, nos textos desse blog, que podemos aprender sobre o dizer, ouvindo cuidadosamente os falantes, que se fazem presentes nas experiências cotidianas, e a nós mesmos, no momento da conversação. O fato é que, independente do falante, a fala, seja ela, a nossa ou a do outro, as coisas ditas ou o modo de dizê-las, sempre expressam a particularidade de uma ordem do dizer, possível de ser analisada, entendida e explicitada. 

Tendo em vista a continuidade de nossas escavações arqueológicas no solo da fala, observamos a presença de uma espécie de dito que, devido suas características, podemos nomeá-lo de dito obrigatório. Ao adentrar no cerne de sua natureza, notamos que a constituição de sua obrigatoriedade se encontra atrelada, em primero lugar, à realização de certas condutas, ações, procedimentos e regras considerados necessários a determinadas situações ou circunstancias. Em segundo lugar, referi-se ao que é valorado intersubjetivamente pelos individuos, integrantes de um determinado grupo. Em terceiro lugar, relaciona-se ao fato de que o que é valorizado e consensuado intersubjetivamente, é erigido como parâmetro orientador da ação e da conduta dos indivíduos concretos. 

Portanto, os ditos não adquirem o estatuto de obrigatoriedade pelo simples fato de serem pronunciados com um tom de ameaça ou de poder. Não adquirem essa qualidade por conta da posição ou da função de prestígio de alguém. Não se encontra na autoridade, na capacidade argumentativa ou carismática do falante. O que faz com que as coisas ditas sejam obrigatórias é, precisamente, seu reconhecimento intersubjetivo. Dai porque os indivíduos, revestidos de autoridade, ou assumindo determinadas posições e funções, socialmente relevantes, devam orientar e avaliar, ensinar e instruir, falar e dizer em função dos ditos obrigatórios. A fonte dos ditos obrigatórios se encontra no seio das relações intersubjetivas e dos consensos estabelecidos entre os indivíduos, imersos no cotidiano e no contexto da vida societária.


Entretanto, ressaltamos que os ditos obrigatórios não são necessariamente verdadeiros ou éticos, pelo simples fato de serem resultantes do consenso. Vale lembrar, que na história da humanidade o consenso existiu até mesmo para justificar a barbárie, a dominação, a exploração, a exclusão, a segregação, o sacrifício, a manipulação, o controle, o preconceito, o extermínio de milhares de pessoas, a destruição da natureza e a pilhagem e o roubo.


João Pessoa, 31 de março de 2013