Por Erenildo J. C.
Sabe-se que a experiência de ‘dizer alguma coisa para alguém’, por mais simples que seja, produz o acontecimento de uma situação de comunicação que exige a presença de, pelo menos, quatro características: do falante (‘aquele que diz alguma coisa’ - emissor), do dito (‘as coisas ditas’ - mensagem), do algo (‘aquilo ou aquele sobre o qual falamos’ - referente) e do ouvinte (‘o alguém’ com o qual o falante se comunica - receptor). Com efeito, a situação de comunicação é uma experiência vivida, por cada um nós, falantes e ouvintes, no cenário da cultura da palavra.
Uma reflexão possível de ser feita, quando nos ocupamos em investigar a problemática do dizer, consiste, precisamente, em pensarmos sobre a vinculação entre as ‘coisas ditas’ e ‘aquilo ou aquele sobre o qual se fala’, isto é, sobre a especificidade de um gênero de afirmação, cujo conteúdo estabelece uma relação de correspondência entre ‘as coisas ditas’ e ‘a existência do que se diz’. Aqui, nomeados de ‘ditos verdadeiros’. Nesse ínterim reflexivo, emergem algumas perguntas, tais como: o que são ‘ditos verdadeiros’? Quais são as características constituíntes da singularidade que definem os ‘ditos verdadeiros’? Qual a relevância e as implicações sociais e cotidianas de formulações e proferimentos dessa natureza?
Pode-se dizer, resumidamente, que os ‘ditos verdadeiros’ são formulações com caráter de assertiva, isto é, de elaborações que integram uma espécie de afirmação que pretende dizer, de fato, alguma coisa sobre algo. No caso, duas condições são imprescindíveis para a formulação de uma assertiva: primeiro que ‘o algo’ sobre o qual se fala, de fato, exista, seja no mundo da imaginação, da natureza ou da cultura. Segundo, que a formulação produzida sobre ‘o algo’ falado, isto é, ‘o dito’, de fato possa comunicar ‘alguma coisa’ sobre ele. Nesse sentido, quando ouvimos um falante ‘dizer alguma coisa sobre algo’, temos uma ideia, uma representação elaborada da coisa falada. Isto porque, nas ‘coisas ditas’ pelo falante se encontra uma série de aspectos, processos, relações, dimensões, traços, acontecimentos e modos de funcionamento que se fazem presentes efetivamente na existência concreta da coisa sobre a qual ele fala. Por isso, o entendimento de que a correspondência entre aquilo que se diz e aquilo que existe seja o critério de confiabilidade sobre as ‘coisas ditas’. No caso da situação de comunicação em questão, o critério da confiabilidade não tem sua origem e natureza no indivíduo falante, nem como centro a sua subjetividade. Com efeito, nessa relação específica de comunicação, o ouvinte avalia a veracidade das afirmações proferidas, a partir da correspondência entre aquilo que o falante diz e aquilo que foi, é ou está sendo.
A partir da reflexão empreendida sobre ‘ditos verdadeiros’, cabe-me elaborar, pelo menos, três conclusões provisórias. Primeira: considerando que os ‘ditos verdadeiros’ estão intrinsecamente ligados às noções de verdade e de realidade, a primeira conclusão que chego, aponta para o acolhimento e aceitação positiva da ideia de verdade e de realidade, enquanto conceitos reconhecidos como válidos, graças ao entendimento de que há, na assertiva, uma vinculação necessária entre as ‘coisas ditas’ e o que, de fato, existe. Diferentemente das noções que integram à ordem de funcionamento dos ‘ditos sinceros’, ligados à centralidade do que o falante considera legítimo e da posição social que ele ocupa, ‘os ditos verdadeiros’, por conta de sua constituição ontológica, não aciona, não mobiliza e não opera com noções, tais como: significado, sentido, convicção, crença, valor, ideologia, versão ou ponto de vista ligados subjetivamente ao falante. Até porque os ‘ditos verdadeiros’ se referem aos objetos sobre os quais os ditos aludem, a saber, sobre seu modo de ser singular e suas condições reais de existência.
Segunda conclusão. Os ‘ditos verdadeiros’ pertencem ao universo de uma série de formulações que integram um modo específico de ‘dizer alguma coisa para alguém’, intrínseco à linguagem empregada pelas ciências, sejam elas exatas, da natureza, humanas, da saúde ou da informação. Os ‘ditos verdadeiros’, enquanto proferimentos produzidos a partir da perspectiva de uma afirmação com caráter de assertiva, identificam o modo, por excelência, do dizer científico. As ‘coisas ditas’ pelo falante pesquisador, sejam elas ditas no momento da revisão da literatura ou da análise dos dados, sejam elas ditas na fase da formulação dos resultados ou das conclusões, no curso de uma pesquisa científica, se não forem ditas, enquanto assertivas, perdem sua validade científica. Certamente, os ‘ditos verdadeiros’ se encontram situados no campo da circulação e da proliferação do conhecimento produzido e acumulado.
Terceira conclusão: Os ‘ditos verdadeiros’ também são acontecimentos comunicativos ordinárias, isto é, se fazem presentes nas formulações do dia-a-dia produzidas por falantes em suas relações intersubjetivas, estabelecidas em tempos e lugares diversos da vida social. Nessas situações existenciais e sociais, eles, assim como os ‘ditos sinceros’, também podem ser (ou devem ser) erigidos como critérios de confiabilidade das ‘coisas ditas’. Ora, se vivemos experiências cotidianas de comunicação nas quais os falantes, por mais sinceros que sejam, dizem coisas que não existem, que não são ajuizadas pela realidade dos acontecimentos passados ou presentes, cujos fatos não conferem razoabilidade e inteligibilidade e que não corroboram e confirmam o conteúdo da mensagem proferida, é evidente que ‘as coisas ditas’ estarão fadadas ao descréditos, à dúvida, à desconfiança, à rejeição e, portanto, à refutação.
Infere-se, portanto, desse exercício reflexivo e das conclusões aludidas, que a relevância da discussão sobre ‘os ditos verdadeiros’ é uma evidência observada, seja no contexto geral da sociedade do conhecimento, que assinala a necessidade de assertivas como fundamento do delineamento da produção das ciências e tecnologias, assim como das políticas de Estado e dos governos, das empresas e da sociedade civil organizada, seja na particularidade da vida cotidiana do indivíduo, que requer o parâmetro da assertiva como norte e sustentação da existência de saberes confiáveis e edificantes, capazes de orientar a escolha de alternativas, de decisões e de ações concretas, exequíveis e consequentes, tendo em vista o uso inteligente e econômico de seu tempo, esforço e recurso, a solução de seus problemas existenciais e sociais e a realização das metas e projetos de vida, que pretendem construir.
João Pessoa, 10 de fevereiro de 2013.