domingo, 26 de junho de 2016

DITOS IDEOLÓGICOS II




Por Erenildo João Carlos

Na reflexão anterior, assinalei que o significado da palavra ideologia está diretamente relacionado às regras de funcionamento do dizer acionado pelos falantes e interlocutores, envolvidos em determinadas conversas. Destaquei também, em determinado ponto, que, em certos casos, o termo ideologia aparece associado aos ditos verdadeiros e falsos. Nessa perspectiva, a depender da natureza da formulação proferida, ou seja, do que se fala sobre alguma coisa, o dito poderá ou não informar algo efetivamente existente, proporcionando, ou não, ao ouvinte, o conhecimento dos assuntos tratados. 

Ao analisar mais detidamente a questão da ideologia nos ditos verdadeiros e falsos, nota-se que, neles, o significado do termo ideologia é constituído em função da noção de representação simbólica das coisas existentes. Ou seja, da ideia de que determinados símbolos servem para tornar presente algo ausente, representando-o. Nesse processo de representação da coisa ausente, os símbolos selecionados e empregados teriam várias funções, a exemplo das comprometidas com a lembrança, o exemplo, a ilustração, a explicação e, em suma, o entendimento da coisa sobre a qual se fala.

Ora, se assim for, pode-se dizer, a partir da análise da presença da ideologia nos ditos verdadeiros e falsos, que há um modo possível de existência da ideologia que requer, necessariamente, o estabelecimento de um vínculo entre seu significante e o significado representações simbólicas, de modo tal que essa associação funcionaria como a regra central da elaboração das coisas a serem pensadas e ditas.

Tal modo de existência evidencia um posicionamento que possibilita identificar e descrever as representações simbólicas como o produto da atividade racional do pensamento (ideias, conceitos, teorias, esquemas, imagens, modelos etc.) sobre as coisas existentes; assim como a expressão de um modo imaginativo da razão humana, cujo caráter criativo e inventivo peculiar possibilitaria a codificação de se dizer o que se pensa a partir de outra racionalidade, a poética. 

Aparecendo como expressão e objetivação do movimento racional e imaginativo do pensamento humano, a ideologia, enquanto representação simbólica, tanto pode ser acionada pelos dizeres ocupados com a produção, difusão, apropriação, análise e crítica dos ditos verdadeiros e falsos, a exemplo dos formulados no campo dos saberes filosóficos e científicos; quanto pelos dizeres que operam com o imaginário e o fantástico, a exemplo dos ditos elaborados no território da literatura, das artes e dos mitos. Nesses termos, os ditos ideológicos tanto podem ser falsos ou verdadeiros, como imaginários e fantásticos.

Embora a ideologia, nos casos aqui analisados, apareça com uma dupla função mediadora - a de mediar simultaneamente, por meio de formas simbólicas, a relação entre o pensamento e as coisas e entre as falas e os sujeitos interlocutores -, pode-se concluir, de forma geral, o seguinte: o significado do significante ‘ideologia’ depende das regras de funcionamento do modo como (a) o dizer opera e se efetiva, concreta e socialmente, nas experiências e situações conversacionais; como (b) os sujeitos falantes acionam os saberes que se encontram disponível no arquivo cultural da sociedade; e como (c) o dizer põe em movimento o jogo das intenções e dos interesses, dos assuntos e dos problemas pautados no curso da conversa empreendida.

Descrito precisamente assim, isto é, como representações simbólicas, o termo ideologia aponta, a um só tempo, seu reconhecimento como um modo específico de pôr as falas em funcionamento no jogo das conversações cotidianas, assim como um campo de reflexões, de estudos e de investigações sobre a natureza e a legitimidade dos saberes acionados pelos falantes, sobre os quais podemos nos debruçar e conhecer.

João Pessoa, 26 de junho de 2016.