sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O DIZER ESPERTO I


Por Erenildo J. C. 



Considerando o que escrevi antes, entenda-se os ditos espertos como um conjunto específico e delimitado de formulações, emitidas por meio da fala, que funciona como um dispositivo de convencimento de alguém sobre alguma coisa, e cujo o efeito gerado no ouvinte, corresponda a uma impressão de que o que se diz seja, de fato, sincero, certo e verdadeiro, quando, contrariamente, não é, pois quem pretende ‘tirar vantagem em tudo’ e ‘fazer festa com o chapéu alheio’ não tem, efetivamente, comprometimento com a sinceridade, a correção e a verdade.

Quando algum desses conteúdos e gestos aparecem no contexto da fala, a exemplo de pronunciamentos, anúncios, afirmativas e opiniões, nota-se que a presença da sinceridade, da correção ou da verdade não passa de um meio ou estratégia de demarcação e consolidação de um fim determinado. Fim, geralmente, oculto, dissimulado e secreto. Em outros termos, as formulações com teor de sinceridade, veracidade e correção, no cerne do dizer esperto, são acionadas e postas em jogo, em função de sua utilidade.

Com esse intuito, o falante afeito à cultura da malandragem, enraizado nela e dela se beneficiando, aciona, mobiliza, conferi visibilidade e status às formulações úteis a seus interesses, sejam elas vinculadas ao real ou ao imaginário, ao verdadeiro ou ao falso, ao certo ou ao errado, ao permitido ou ao proibido, à coragem ou ao medo, ao amor ou ao ódio, ao próximo ou ao distante, ao feio ou ao belo, à dúvida ou à certeza, ao legal ou ao negociado, ao científico ou popular, ao elogio ou à desqualificação, à festa ou à segregação.

Visto assim, os ditos espertos se situam no território mais amplo do dizer e dos ditos retórico-pragmáticos, cuja admissibilidade e aparecimento de qualquer formulação somente serão possíveis e permitidos pela utilidade que ela tenha no jogo argumentativo, inteiramente comprometido com a realização dos fins estabelecidos.

Nesse território, pode-se dizer que se encontra uma região, esquadrinhada por uma ordem de fala, centrada e organizada por um gesto de esperteza, que seria a expressão simultânea de uma ação inteligente e eficiente, cujo interesse último seria o de se apropriar da coisa alheia para atender fins próprios, que, oportuna e convenientemente, poderão ser idênticos ou similares, distintos ou antagônicos à vontade do interlocutor presente, de ouvintes ausentes e de instituições existentes.

Jogar o jogo argumentativo da esperteza significa fazer com que as coisas ditas sejam ditas de tal modo, colocadas e dispostas de certa maneira e não de outra, articuladas e significadas em conformidade com o que se quer, ou seja, em função do interesse de expropriação e espoliação do outro, de seus bens, posição, prestigio, saberes, suas habilidades, competências, estética, imagem social, etc., ou da manipulação, dominação e controle de sua vontade, desejos, pensamentos, sentimentos, crenças, esperanças, utopias e ideologias de vida.

Com efeito, a observação sistemática e reflexiva das falas cotidianas indica a existência de um modo de dizer instaurador da esperteza como critério de exercício da fala e de uma espécie de poder argumentativo capaz de convencer alguém ou apropriar-se de algo. 


João Pessoa, 25 de dezembro de 2015