sábado, 28 de fevereiro de 2015

O DITO E O DIZER PRAGMÁTICO II



Por Erenildo J. C.


A escuta cotidiana de falas aleatórias e casuais, assim como de conversas sistematizadas em espaços institucionais, ou, ainda, de pronunciamentos postos em circulação por meio da mídia escrita e falada, evidencia a existência irrefutável de práticas culturais conversacionais assentadas no dizer e nos ditos pragmáticos.


A observação reflexiva que registrei no escrito anterior explicitou, em primeiro lugar, que os dizeres e ditos pragmáticos possuem, como centro de equilíbrio e constituição, uma fala orientada por interesses determinados. Em segundo lugar, que, em função desses interesses, o dizer pragmático aciona, mobiliza e articula uma série de ditos, cuja natureza e especificidade se encontra em sua utilidade, isto é, na possibilidade dos ditos selecionados serem apropriados e empregados na perspectiva dos interesses agendados. Em terceiro lugar, que o conteúdo das coisas ditas não tem valor em si, ou seja, não importa que o que esteja sendo dito pelo falante pragmático seja verdadeiro ou falso, real ou imaginário, certo ou errado, permitido ou proibido, normal ou louco, racional ou emocional. A relevância ou não do conteúdo dito é avaliada, medida e valorada em função de sua utilidade, isto é, de sua eficiência e eficácia na execução dos fins estabelecidos e anunciados. Em quarto lugar, que o falante pragmático não tem nenhum comprometimento e responsabilidade com o dizer ético e sincero, verdadeiro e edificante. 

Além desses aspectos, nota-se, também, que a fala pragmática traz à luz outros elementos significativos, a exemplo de sua forte tendência de construir vínculos com fins subjetivos e de fazer uso de procedimentos argumentativos interpretativos. A subjetividade e a interpretação tornam-se, nesse sentido, um terreno fértil para o aparecimento e a proliferação dos ditos pragmáticos. 

Do ponto de vista subjetivo, qualquer interesse pode ser justificado e legitimado, ou seja, erigido como significativo e pleno de sentido. Aqui, encontram-se os mais variados tipos de fins subjetivos, a exemplo dos baseados em preferências, biografias pessoais, tradições culturais, sectarismos religiosos assumidos, tendências científicas dominantes, fidelidades políticas e filosofias de vida. Do ponto de vista interpretativo, qualquer conteúdo pode ser considerado relevante e válido, desde que seja útil à produção do convencimento e à defesa do interesse em jogo, seja ele constituído de saberes resultantes da vivência, de mitos e lendas consagrados, de revelações consideradas sagradas, de conhecimentos científicos cristalizados, de ideologias compartilhadas e concepções políticas aceitas, de normas jurídicas asseguradas ou de narrativas literárias e imaginárias circulantes.

Com efeito, verifica-se que as falas pragmáticas, hegemônicas em nossa sociedade, possibilitam a constatação, de um lado, da subjetividade como uma das fontes do aparecimento de fins pragmáticos, de outro, da interpretação como uma ferramenta apropriada ao jogo argumentativo e conversacional pragmáticos. Fonte e ferramenta do dizer pragmático, da criação e da proliferação infinita dos ditos pragmáticos, a subjetividade e a interpretação se ligam entre si, integrando e compondo, tecendo e consolidando o modo de existência próprio do dizer pragmático.


João Pessoa, 28 de fevereiro de 2015